Singelos prazeres.


Amo o visual retrô muito antes de ter se tornado moda!... Lembro do espanto que despertava em  proprietários de "bazares" ou responsáveis por estes (que nem se chamavam "brechós" ainda) quando me viam, filha da classe média, remexendo roupas e bolsas velhas descartadas por outros...

Na Comunhão Espírita de Brasília existia uma portinha - literalmente, uma portinha - onde repousavam entulhados, sempre algo bagunçados, os mais diversos itens... Um dia, encontrei uma bolsa tipo "maleta de médico", com alça de madeira, em couro envernizado, que tinha uma lateral inteira descosturada. Comprei-a por R$ 1,00 (um real). Levei-a a uma boa sapataria da cidade e gastei cerca de R$ 20,00 para que costurassem essa lateral. E desfilei felicíssima, por anos, a minha "maleta de médico" negra com alça de madeira, até dá-la de presente a uma amiga!

Existia outro bazar que funcionava em uma sobreloja no Setor Comercial Sul. Seu forte eram casacos de inverno, que os atendentes explicavam serem doações de pessoas (provavelmente mais abastadas) de países frios, e que passavam a ser vendidos aqui a preços não tão módicos quanto deveriam, mas acessíveis ao meu bolso de radialista!

Adquiri nesse brechó um casaco com gola de pele, lindíssimo, com o qual saracoteei por Brasília (famosa por "não ter inverno") bons meses!... Apresentei um dos muitos eventos musicais da UnB com ele! Até o dia em que, inexperiente, julguei que era necessário "lavá-lo": pacientemente, descosturei a gola de pele, que guardo até hoje, e o depositei caprichosamente na máquina de lavar!...

O casaqueto que da máquina saiu não era mais capaz de agasalhar um braço meu (!). Felizmente, tinha uma colega de curso pequenina, baixinha e magrinha, que me era muito querida, Simone; dei-lhe o casaco explicando toda a minha proeza, e fiquei feliz por ver que o que eu quase havia inutilizado ainda poderia ser bem aproveitado!



Outro casaco substituiu esse logo depois! Guardo-o até hoje, uso-o generosamente e amo-o (na medida em que é possível "amarmos" nossas coisas)! Já me protegeu em muitas edições do "Festival de Música Candanga da UnB" desde que passou a acontecer no Centro Comunitário da UnB, à beira do lago, bem como em idas às atrações do CCBB, que, também por sua proximidade com o lago de Brasília, nos faz experimentar uma sensação térmica infinitamente mais gelada que qualquer outra região que frequento!...

Além de me acompanhar em minhas empreitadas, esse segundo casaco já ajudou a compor uma personagem feminina das peças curtas de Bernard-Marie Kóltes, "Roberto Zucco" - como não poderia deixar de ser, uma socialite entediada e fria que se vê sequestrada pelo personagem-título.


Amo brechós tanto quanto amo sebos! Em tempos de "vacas magras", como agora, não posso nem passar diante da porta de qualquer um desses!... Acho mesmo que todas as peças teatrais encadernadas que adquiri na vida foram compradas em sebos. Livros de arte, biografias de dramaturgos, atrizes e dançarinas!... Um banquinho de madeira ao meu alcance e lá se vai uma tarde inteira de minha semana a respirar poeira entre as estantes!

...Além, é claro, de uma considerável quantia de dinheiro.

O que me entristece é verificar que, com o aumento dessa demanda, os sebos "esqueceram" seu papel de tornar acessível o que nem sempre o é, e quase equiparam seus valores aos das livrarias burguesas da cidade!

Sempre me extasiou reformar coisas antigas e dar-lhes sobrevida; mas isso vem de meu interesse por reciclagem há mais de década! Por isso mesmo, fico até feliz em ver o interesse cada vez mais popularmente disseminado pela estética chamada "retrô"!... Que ela se amplie, amadureça e permaneça!

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