Amor, paixão, solidão?


O texto de Martha Medeiros, que reproduzo abaixo, me faz refletir e me convencer que, de fato, estabeleço grandes distinções entre algumas coisinhas que acredito serem muitas vezes confundidas, emaranhadas, mal-esclarecidas talvez, nos meandros das mentes - e afetos - femininos...

Sempre me faz rir saber que eu "e a torcida do Flamengo" estamos sós!... E nenhum estranhamento isso me provoca. Porque somos individualistas, porque somos imediatistas, cada dia mais infantilizados, temos dificuldades em expressar nossos limites e dificuldades e, em consequência, de negociar, e em decorrência de tudo isso, lidamos muito mal com frustrações e a necessidade de "ceder" que qualquer relação exige.

Nossas ligações são cada vez mais curtas. Ao menos a mim parecem... Não me ressinto disso, não "brigo" contra meu tempo. Se este é o mundo no qual vivo, paciência. Usufruo da melhor maneira possível de suas vantagens e administro como posso o ônus de minha época.

E as vantagens superam em muito as desvantagens! Não serei coagida a permanecer em uma relação insatisfatória, por exemplo, presa a um homem que eu não deseje, que não me satisfaça, ou que me traia, com quem eu não tenha afinidades, etc., como muitas mulheres antes de mim se viram obrigadas.

Também não "obedecerei" a ninguém. Não precisarei omitir opiniões até desistir de ter as minhas próprias, como tão comumente gerações passadas "aprenderam"...

Não dependerei financeiramente. Nunca precisei ou precisarei pedir dinheiro para fazer as compras da casa ou "para uma coisinha da qual gostei", como se fosse uma criança ou incapaz.

Confesso que não sou uma "essencialista"; não acredito que "o amor" seja universal, atemporal, dado, condição intrínseca da existência...

Construção humana que adquire novas facetas a cada época, o amor me parece nascer da convivência, do desejo de amar, da disponibilidade individual para isso. E da sorte. Da sorte de encontrar alguém em um momento parecido com o seu e desejando a mesma coisa!

O que chamamos "amor" talvez seja essa convivência prolongada na qual você abre mão de agir unicamente em razão de seu prazer ou interesses e se sacrifique um pouco: pelo bem-estar de seu(ua) parceiro(a), pela criação e educação de um filho... Convivência e grandes ou pequenos investimentos que, ao fim de alguns anos, fazem perceber uma certa "consistência", uma noção de segurança emocional e material advinda de uma parceria que foi escolhida e priorizada.

Não tive a sorte de viver um "amor" como este que descrevo, como o que imagino. Minto se disser que nunca experimentei qualquer tipo de amor. Vivi um "amor" neurótico: acredito ter sentido algo forte, denso e que considerava "indestrutível", a que nomeei "amor", e que me manteve por três anos irredutível ao lado de alguém que mentia, que me manipulava, que me magoou muitas vezes e que (como não poderia deixar de ser) me marcou fatalmente.

- Meu "amor", como meu temperamento, parece ser uma grande teimosia -

Grandes prazeres, iguais decepções, não choramingo as perdas da vida. Claro é que, por vezes, essas perdas podem se dar em meio a choques, descobertas, traumas profundos que nos marcarão para sempre e poderão nos levar a duvidar de nosso próprio discernimento... Mas a vida é uma "luta" por sua própria natureza: uma luta contra o meio, uma luta contra as adversidades, uma luta da natureza, uma luta entre fortes e fracos...

...De modo que não me incomoda, absolutamente, estar na companhia da "torcida do Flamengo"! :D

Não sinto falta desse "amor". Sinto falta, isso sim, de outras coisas associadas somente a ele, como se nos fossem "autorizadas" apenas sob sua "tutela"...

Beijos arrebatadores, abraços, sedução...!... Talvez seja "confortável" admiti-los condicionados por esse parâmetro, o de um "amor nascente". Mas beijos arrebatadores não conduzem, necessária e infalivelmente, a "relações de amor". Talvez ocorra até o contrário: se as longas e sólidas relações repousam sobre decisões tomadas de parte a parte, essa química do desejo que descontrola nosso metabolismo não deve ser boa influência!... Não quando está em sua máxima potência, não quando ainda tem o poder de nos deixar ofegantes, zonzos e asfixiados...!...

Sinto que experimentei o tão famoso "amor". Só o tempo apaziguará a experiência e organizará as lembranças naquela doce sucessão de imagens belas e enevoadas... Minha curiosidade está saciada, e não vivo sôfrega como se estivesse "perdendo algo" que só eu não havia, ainda, encontrado.

No entanto, esses outros detalhes... Beijos arrebatadores, asfixia, adrenalina, coração batendo forte - o encontro, ainda que breve, passageiro, único!... Essa experiência sensorial que os homens parecem compreender tão bem, e às quais se permitem há milênios!...

Pergunto-me o por que de a possibilidade disso usufruir se reduz para as mulheres, se recusa...

Se o amor "é imprevisível", um pouco de paixão é possível! Ou deveria ser: acessível, quotidiana, recorrente, rotineira!...

Talvez porque achem que qualquer beijo selará um "casamento", as mulheres se enciumem tanto umas das outras... Olhar intensamente uma pessoa, beijá-la, tocá-la, não implica que  aquela séria parceria esteja nascendo. Implica, sim, que um desejo momentâneo, que pode se extinguir amanhã, está tendo lugar para se concretizar, está tendo um espaço para sua "verificação".

Eu, de minha parte, cada vez mais sinto-me convencida de que são imprescindíveis os beijos arrebatadores, em sua unidade materializada, que tão bem nos fazem esquecer desse tipo de "solidão" que permeia discursos e engendra o medo. O beijo é "estar junto" - sem promessas, sem contratos, sem futuro! O beijo, sim, é pura eternidade!...


A Impontualidade do amor

Você está sozinho. Você e a torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar.
Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.
Triiiiiiiiiiiimmm!
É sua mãe...
Quem mais poderia ser?
Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada.
Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver.
Por que o amor nunca chega na hora certa?
Agora, por exemplo... ... que você está de banho tomado e camisa jeans.
Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema.
Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz.
Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina.
Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos Outros, sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio uma locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida.
O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro.
Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.
O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.
A primeira lição está dada: ... o amor é onipresente.
Agora a segunda:
...mas é imprevisível!
Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia dos namorados. O amor odeia clichês.
Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde... depois de uma discussão e... as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza. ...
Idealizar é sofrer !
Amar é surpreender !
(Martha Medeiros)

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