"Reconhecimento".

Experiência realizada em laboratório dispôs três filhotes recém-nascidos de macacos, em diferentes espaços, e ao primeiro fez acompanhar uma macaca maternal que diligentemente cuidou do bebê; ao segundo, fez acompanhar uma macaca agressiva, que unicamente batia no filhote; e ao terceiro, fez acompanhar uma macaca de pelúcia, um brinquedo incapaz de interagir com o animal.
Surpreendentemente, os cientistas alcaçaram o seguinte resultado: o primeiro bebê sobreviveu e cresceu bem; o segundo bebê, mesmo apanhando constantemente, sobreviveu; já o terceiro filhote, sem ter recebido qualquer toque ou atenção, não resistiu.


Confesso que não me reconheço. Não gosto mais das pessoas de quem gostava, não invisto mais em quem me maltrata.

Aquela culpa profunda, de origem antes inexplicável que eu herculeamente carregava, finalmente me abandona!...

Começo a compreender. A necessidade de me cercar de quem me flagelasse esvai... Não sinto, mais, culpa por tudo, por todos, pelo o que tenho ou pelo que sou.

Porque eu assumi a responsabilidade pelas frustrações, raivas e recalques de quem era responsável por mim desde muito cedo. E, de tanto ouvir as imprecações, passei a acreditar que por minha causa tudo havia dado errado, passei a acreditar que maculara suas juventudes, que iniviabilizara seus futuros imprevisíveis de possibilidades infinitas!...

Muitos anos se passaram até que a verdade mais singela se revelasse: culpa nenhuma me cabe; não fui eu quem escolheu seus caminhos. Não fui eu quem impossibilitou a realização dos sonhos de quem quer que seja.

O dobro de uma vida para começar a compreender. E a parar de me torturar, sabotar, ferir e machucar, parar de permitir a maldade, a malícia, a manipulação melíflua!

- Porque esses crimes são enterrados tão fundo em nossas sensibilidades, cobertos por tantas camadas de covardia e crueldade, disfarçados por tanto verniz de "sacrifícios, sofrimento e lágrimas", que se convertem nessa culpa arrasadora que detona uma bomba-relógio dentro do inocente, do mais fraco, do indefeso, justamente por obra de quem devia protegê-lo! -

Não sei precisar se na psicanálise, ou em outra das muitas linhas de tratamento, um termo define o tipo de relação que a macaca agressora e o filhote ilustram: uma relação de "amor negativo". Ainda que por vias negativas, destrutivas, eu consiga atenção, o olhar do outro, um pensamento do outro - a agressão é um tipo de "contato"! -, ainda que me doa, destrua, dilacere, por este caminho penoso eu irei vagar, porque impossível aos seres vivos é sobreviver à absoluta indiferença.

E por vales tortuosos rastejei, por trevas, e sangue, e pedras rastejei.

Uma libertação! Só posso dizer que é uma libertação entender que nem toda geradora "ama" suas crias; que as muito doentes, frustradas, recalcadas, problemáticas, tendem a matá-las, tentam matá-las - não à la Medea, de dia e às claras, consumindo a casa em chamas e chamando para si toda a responsabilidade da catástrofe; mas insidiosa e dissimuladamente, maldosamente, por pragas e invejas, espionagens, maledicências, por sabotagens e abandono, por uma frieza calculada, por raiva das crias e de todas as mulheres, por ser traída, mal-amada, indesejada, enjeitada, por ser feia e por ser desinformada, por não suportar ver crescer à sua frente outras mais afortunadas, mais protegidas, mais belas...

- A capacidade destruidora das fêmeas desequilibradas não se mede!... Não se adivinha... Não se acredita! -

Como não acreditei, ano após ano, década após década. Até que as milhares de sessões vêm me acudir: "por que você assumiu a responsabilidade pela infelicidade dela"?...

"Por que você selecionou várias dessas macacas agressivas para te baterem"?

"Por que você dá voz e armas às pessoas que te querem mal"?

De repente, o horror apazigua... Quando as escolhas de outrem não podem mais nos crucificar, lentamente conseguimos soltar as cordas, facas, pregos, cacos de vidro. Sinto pena de minha carne retalhada e uma vergonha imensa de ver o que restou de mim mesma. Mas sou o que me restou.

Mas, lá no fundo, a natureza pulsa, transgride, desobedece todas as más profecias!... Ainda restam forças, esperança e vontade de recomeçar. Ainda que eu não passe de um pequeno monstro, aberração, monte de carne em cicatrizes, acredito que ainda vale a pena seguir adiante. Mais um pouco. Nunca mais para protagonizar nada, mas para finalmente enxergar as belezas enevoadas, que me haviam sido negadas, cega que vivi até agora.

Quase me mataram. Quase!...

Mas os fantasmas levantam vôo, revelam-se espectos, impotentes imaterialidades. Compreendo, gradativamente tudo se torna mais claro. E um fiapo de esperança ilumina toda uma nova estrada.

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